VER É VIAJAR

Textos Críticos - Artes Plásticas 

 

Ao expor este trabalho de Carlos Vergara o Centro Cultural Banco do Brasil deixa transparecer seu papel de museu vivo, aberto ao novo, sua função formadora de público, de espaço que filtra a experimentação sem sacralizar. Ao contrário do museu tradicional, está aqui a história se fazendo. Ao contrário também das tradicionais galerias, o espectador aqui é passante, não é o fruidor específico de artes plásticas, mas o principiante/iniciado em cultura.

A primeira impressão é de estranhamento nesta pintura onde Vergara extrai literalmente as cores de sua própria fonte. São monotipias em tecido/papel de poliéster, impregnadas de resina e comprimidas contra os resíduos de pigmento numa velha fábrica de tintas em Rio Acima, entre Belo Horizonte e Ouro Preto, na região ferrífera de Minas. Essas camadas de pigmento acontecem pela moagem de tinta que, ao se tornar “leve”, vai se depositando sobre as superfícies da fábrica com seus rastros, relevos, contornos. E se transformam em substância matricial dessas “supergravuras”, captações dessas cores, desses sinais, desses vestígios dispersos.

Essa mistura de fuligem & pigmentos é ferrugem de vários matizes, que calcina o amarelo, produz o vermelho, sinaliza um ocre a reciclar cores perdidas em algum ponto de sombra de nossa memória. Ao distribuir esses pigmentos sobre a superfície, ao iluminar essas cores de um mundo muito antigo, Vergara preserva também os vestígios de seu acabamento, as pegadas dos operários, intervenções do acaso em construção. Existe assim um deslocamento físico – a viagem à Minas para minerar in loco suas cores – e espacial nessa pintura que se sustenta fora da parede, prismando poesia e dramaticidade.

É como se o espectador captasse o inegável prazer com que Vergara trabalhou esses pigmentos que vêm da pintura rupestre, passam por Mestre Athayde no século XVIII e continuam até hoje com grande expressividade. Um pequeno naipe de cores, uma palheta reduzida, áreas de sombra e luz que buscam equipar nossa capacidade de ver, aprofundar a experiência do olhar. Uma experiência que Vergara procura dividir conosco, propondo soluções para velhos problemas. Como ele mesmo diz, “a visão não pode ser reduzida à mera função de não se tropeçar nos obstáculos”. Ver é viajar.


CCBB / Exposição Carlos Vergara
20 de julho a 12 de setembro de 1993


Ronaldo Werneck