CARICATOS RUFIÕES

Textos Críticos - Artes Plásticas 

 

Em Passo Fundo, no interior gaúcho, a Rua XV de Novembro é vitrine do sexo: jogo e boêmia. Rua de rufiões, jogo de gigolôs, mar de marafonas, mulheres-dama. A Rua XV é a da “zona”: “se meu passado foi lama/hoje quem me difama/viveu na lama também”. Puro Lupicínio. Mesmo que não seja.

Na década de 40 em Passo Fundo a menina Ruth Schneider ouvia fascinada as histórias da Rua XV contadas pela vó Ida, que viveu 100 anos, possivelmente motivada pela fertilidade de seu próprio fabulário. Histórias que se tornaram reais mais tarde, vivenciadas por Nina, sua mãe, e Canhotinho, seu pai, que se emperiquitavam para ir ao Cassino. Aos 10 anos, Ruth foi operada da perna e ficou por uns tempos de cama, ouvindo histórias e recordando & colando imagens: revistas, jornais, almanaques, quadrinhos, “modelitos” variados. As histórias do Cassino ficaram para sempre como tema recorrente de Ruth Schneider. Os recortes & colagens, até hoje, como técnica por excelência de sua expressão: da tesoura à serra “tico-tico”.

Bas-fond imaginário recriado pela menina Ruth, o “Cassino da Maroca” permanece ainda agora gravado nos trabalhos que compõem esta exposição. Mais que tema recorrente, rio-corrente por onde fluem personagens tragicômicos, caricatos, como Chico-Pé-de-Porco, Zica Navalha, Canhotinho, Maria Bigode, Garoto de Ouro, o Gigolô Argentino e, naturalmente, a cafetina Maroca. Ao ouvir a avó, a menina Ruth recriava suas histórias na imaginação, na rica fantasia de criança. Ela “fazia na cabeça” suas próprias histórias. Agora, a artista está “pondo pra fora” essas histórias, transpondo para o papel a vida projetada para os personagens da Rua XV de Novembro, as figuras caricatas do “Cassino da Maroca”.

São trabalhos que passam muita luz, muita cor, manchando seus quadros de violeta-cassino, vermelho-marafona. Uma espécie de expressionismo figurativo, com um certo toque naif que dá inegável charme aos personagens de seu bordel, perdão, cordel. Isso porque, fora luz & cor, seus quadros passam muito “som”, como se suas figuras falassem, falassem, falassem. Quase que em redondilhas, como os personagens de cordel, quase como se primitivamente desenhadas, essas toscas figuras tão ingênuas e patéticas, como as dos bordéis do interior.

Tema obsessivo, o cassino-bordel produz sempre novos personagens, quase um teatrinho de marionetes, onde os bonecos brigam, amam, se apaixonam entre laivos de ódio, ternura, intriga. Ultimamente, Ruth tem introduzido “espiões” nos cantinhos de seus quadros, que ficam como se bisbilhotassem a “vida” dos freqüentadores da Maroca. São ingênuos flagrantes do cotidiano do interior, com suas comadres & mexericos.

Ruth Schneider gosta de cores fortes e seus trabalhos apresentam uma característica bastante peculiar. Como diz o poeta gaúcho Zé Augustho Marques, um estilo muito próprio: “um efeito na pintura ajudado pelos deuses: o trabalho sai em questão de segundos, como se estivesse sendo psicografado, automático, como se Ruth estivesse garimpando as cores. É o que chamo de efeito Ruth”.


CCBB / Mostra Ruth Schneider
07 de janeiro a 07 de fevereiro de 1993

 

Ronaldo Werneck