A INTUIÇÃO COMO BÚSSOLA

Textos Críticos - Artes Plásticas 

 

O maior pintor brasileiro vivo faz oitenta anos em novembro e, pincel em punho, resiste em meio a um tempo de incertezas, sombra e luz. Em maio ultimo, de frente para uma enorme tela em seu ateliê de Porto Alegre, Iberê Camargo reafirmava sua capacidade de luta: “Penso submergir nela com todas as forças que me restam. Se não conseguir acabá-la, não importa”.

Foi com seu pincel que este gaúcho de Restinga Seca expressou as tonalidades de um mundo muito particular, antecipado no ato da criação: “Eu me considero um submarino, um sujeito que afundou a cabeça e saiu por baixo d’água, buscando o rumo pela intuição. A bússola do pintor é sua intuição. Eu caminho à margem. Todo problema do artista é o modo de ver o mundo. Não sou um decorador, sou um homem que se expressa. Expresso os meus e os teus sentimentos. Acho que isso é pintura”.

Apresentando cerca de quarenta trabalhos das várias fases do artista, esta exposição no Centro Cultural Banco do Brasil não chega a ser uma retrospectiva, dada a vastidão de sua obra, mas um “ensaio de retrospectiva”, o primeiro jamais feito sobre Iberê Camargo. Esses quadros são exemplos significativos, punti luminosi de sua arte, dos anos 40 até agora.

Da figuração ao abstrato e de novo às telas figurativas que marcam os anos 80/90. Da série de auto-retratos às naturezas-mortas, aos carretéis “que entraram pela porta da infância”, aos núcleos em expansão, telas às vezes negras, às vezes plenas de explosões cromáticas. Iberê está todo aqui, nesta visão seletiva de sua obra. “Eu não pinto modelos, pinto emoções. Um de meus projetos é revisitar os rios de minha infância. Um rio se renova sempre. E assim devemos ser. Renovar para não morrer. Estou sempre respondendo aos estímulos da vida. O homem que se fecha à verdade morre por dentro. Eu quero morrer de pé, como as árvores”.

Há dez anos, o crítico Frederico Morais escrevia: “Aos setenta anos Iberê realiza hoje a pintura mais jovem do Brasil”. A afirmação é válida ainda agora, em plenos oitenta anos do artista. Senhor de uma pintura vigorosa que evita a exuberância, que busca através do empastamento encontrar a cor exata de sua expressão, o jovem Iberê pretende retornar à paisagem da infância. Voltar aos charcos, às tonalidades “verdosas” de seu início em Restinga Seca, atraído pela força das formas pobres, despojadas, como se quisesse reverter o tempo, “essa coisa louca que corre, corre, cada dia mais acelerada”. A vida que volta, fragmento de luz filtrado da noite, prisma, traço à tona, fulguração que emerge do fundo de um mergulho.


CCBB / Mostra Iberê Camargo
As citações de Iberê foram extraídas de um texto de Frederico Morais (agosto de 1984) e de revistas publicadas recentemente pelos jornais Folha de SP, O Estado de São Paulo e O Globo.

 

Ronaldo Werneck